O Benfica é
demasiado grande para conseguir conviver com as suas próprias crises. E sempre
que perde, um jogo importante ou uma competição, a contestação torna-se
ensurdecedora.
De um lado, os adeptos
mais impacientes, que naturalmente querem ganhar sempre e já, e confundem exigência com irrealismo ou fantasia. Do outro, rivais
empedernidos, que inundam o espaço mediático com farpas mais ou menos
intencionais para, desde fora, desestabilizar tanto quanto possível. No meio
de todo o ruído, ficam os resistentes, os mais frios e racionais (não menos
apaixonados), que percebem que identificar um problema não significa
necessariamente obter uma boa solução, e que os ciclos destrutivos por vezes se
alimentam a si próprios.
Frequentemente
não o consigo, mas esforço-me por fazer parte deste último grupo. Até porque
amo demasiado o clube para deixar cair a prudência, com ele e com tudo o que lhe
diga respeito.
Despedir Schmidt,
que ainda há meses foi campeão? Nesta altura da temporada? Para contratar quem?
Guardiola? Pagar mais de 20M de indemnização?
São questões que
coloco a mim próprio antes de defender uma solução drástica, cuja eficácia imediata
me deixaria mais dúvidas do que certezas. Mesmo tendo sido dos primeiros a chamar a atenção para algumas insuficiências deste treinador, quando ele ainda era adulado pela imprensa.
O alemão
não é um bom estratega, isso é um facto. E também uma limitação, sobretudo num
campeonato inundado de técnicos que fazem da “esperteza” (táctica e não só)
o seu modo de vida, e no qual Amorim e Conceição são os exemplos mais acabados.
Mas tem qualidades. Por exemplo, no plano da resistência física, o Benfica
parece-me muito bem preparado (percebeu-se nos jogos com o Sporting). E em
termos de fluidez de jogo já vi, já vimos, com Schmidt no banco, exibições
maravilhosas – sobretudo na primeira metade da época passada.
Como aqui escrevi
diversas vezes, as contratações dos últimos três mercados foram, digamos, um
equívoco. O Benfica ficou sem Grimaldo, Enzo e Ramos (e em grande parte dos
jogos, sem Bah e Neres, por lesão), e não encontrou substitutos à altura. Jurasek
(como Carreras, ou Bernat), Kokçu e Cabral não corresponderam ao que se exigia
(nem têm o perfil de que a equipa precisava), e o próprio Di Maria – que é inegavelmente
um extraordinário futebolista, e tem feito tantas vezes a diferença,
disfarçando debilidades do colectivo -, pelas suas características e idade, acaba
por condicionar tacticamente a equipa no momento da perda da bola, o que se
agrava bastante na ausência de um lateral forte nas transições e compensações.
Globalmente esta é, pois, uma equipa pior que a da época passada., e o plantel
“de luxo” não passa de um mito – a menos que falemos de orçamentos.
Enquanto isso, o
Sporting sim, está muito melhor, precisamente devido ao acerto nas contratações
– feitas a pensar no perfil de jogo da equipa, e com encaixe total na estratégia
do seu treinador.
Desconheço o grau
de responsabilidade de Schmidt nas aquisições do Benfica, e isso condiciona a minha opinião sobre ele, impedindo-me ter certezas definitivas.
Tanto ele como Rui Costa (num assomo de solidariedade que registo e aplaudo)
apontam para responsabilidades conjuntas. Gostava, ainda assim, de saber quem
sugeriu primeiro Jurasek. Quem achou primeiro que Arthur Cabral era o
substituto ideal para Gonçalo Ramos. Quem entendeu primeiro que Kokçu valia 30 milhões e justificava ser o jogador mais caro da história do futebol português. Quem... Carreras, Rollheiser, Prestianni, Schjelderup, Tengstedt, Leonardo, enfim... Foi Braz? Foi Schmidt? Foi Rui Costa? Foi o Scouting? Foi Lourenço? Gostava mesmo se saber. Não para apontar o dedo. Apenas para fundamentar o que escrevo (e inocentar quem não tem culpas).
O que me parece é
que toda a temporada do Benfica tem sido marcada por um esforço inglório em busca de formas de esbater
os desequilíbrios que o mercado deixou (nomeadamente nas laterais e na frente
de ataque). Daí a instabilidade táctica, que por sua vez conduziu à dificuldade em criar
rotinas, quebrando a confiança individual e colectiva. Daí as constantes
mudanças no onze, quase sempre sem sucesso.
Comparando com um motor, foram subtraídas
três peças, e as novas não serviram. Obviamente não funciona, e o mecânico acaba
de mãos na cabeça a tentar alterar tudo, de diferentes formas, para ver se o carro enfim anda. Mas
não anda, ou anda pouco. Nem um génio da mecânica o punha a andar bem sem as
peças adequadas. Neste plantel do Benfica as peças não encaixam.
No jogo do
Dragão, até elementos que normalmente têm dado boa resposta, falharam
redondamente. António Silva terá feito o seu pior jogo enquanto profissional.
Trubin teve culpas óbvias em, pelo menos, dois dos golos (aliás, já em Alvalade
não estivera propriamente bem, e se fosse grego teria ficado com as orelhas a arder). Rafa não existiu. Otamendi perdeu a cabeça.
É preciso dizer
também que o Benfica viu um golo anulado em Alvalade numa situação muito parecida
com a do primeiro golo portista. Num caso, o fora-de-jogo posicional foi
assinalado pelo VAR. No outro, não. E se não faz sentido falar de arbitragem
quando se perde 5-0, quando se perde 2-1…
Neste momento,
nada do que aqui foi escrito tem solução imediata. E o melhor que os benfiquistas
podem fazer é deixar as críticas destrutivas e a contestação mais vigorosa para
os rivais, ou para uma comunicação social ávida de sangue. Devemos, isso sim,
unir-nos em torno daquilo que temos, e procurar salvar o que ainda é possível –
que é muito.
É importante
lembrar que o Benfica tem mais seis pontos do que o FC Porto. E está apenas a um
da liderança (que podem ser quatro, mas também podem voltar a um, com uma eventual
vitória em Alvalade). Está nos Oitavos-de-Final da Liga Europa, onde tem pela
frente um adversário difícil, mas de forma alguma insuperável. E está a um golo
da Final do Jamor. Tudo ainda pode acontecer. E haverá mais hipóteses de
acontecer alguma coisa se a equipa sentir em seu redor o carinho dos adeptos –
ou pelo menos não sentir a descrença, e muito menos a hostilidade, que, essa
sim, é um factor adicional e desnecessário de perturbação.
Ninguém trabalha
melhor com um chicote em cima. E ainda menos uma equipa de futebol, exposta
como está, com o mediatismo que tem, com a confiança de que necessita
Enchamos o Estádio
da Luz no apoio ao Benfica. A equipa é esta, e neste momento não pode ser
outra. O treinador é este, e dificilmente outro, entrando agora, faria milagres. O
presidente é alguém que sofre pelo clube, e está a tentar fazer o seu melhor – tratando-se
de um homem inteligente, irá com certeza aprender com os erros.
O Benfica é o
mesmo de sempre. O de Berna e Amesterdão, e também o de Vigo e Basileia.
A canção
de Sério Godinho diz que hoje é o primeiro dia do resto da tua vida. Aplica-se ao
futebol. Aplica-se na perfeição a este Benfica.